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sexta-feira, 3 de agosto de 2012

MULHER OLEIRA NO SÉCULO 21



Claudete Terezinha da Mata
Desde criança, vejo minhas mãos moldando o barro que o homem, sem piedade, retira das profundezas da terra, sem repor o que dela arrancou. Mas o que fazer, se com o barro em minhas mãos, esqueço-me de tudo, pondo-me a imaginar..., a viajar pelo espaço sideral, vendo mil possibilidade de criar coisas capazes de provocar estranhamentos e surpreender quem as vê. Basta que alguém me peça isso ou aquilo, que entrego em poucos dias, desde que respeitem meu tempo de elaborar e criar o seu desejo moldado nas palmas de minhas mãos. Não me pergunte como e nem por que as coisas são assim, porque elas simplesmente acontecem.

Certa vez, um velho sábio, assim batizado por mim, me falou: - Minha pequena, não se sabe até quando a Mãe Terra irá parar de produzir o barro que tanto te inspira. De repente, parei e procurei pensar sobre o que fazer se vejo nas mãos da Mãe Terra toda minha inspiração.  Moldar o barro com as mãos, e dele produzir formas que retratam histórias que ficarão na memória. São formas capazes de encantar pessoas. Mas a Mãe Terra sente que não sou oleira por tradição, e sim por vocação.

Fui uma menina sapeca e uma adolescente sonhadora que ensaiava os primeiros passos com as mãos moldando o barro. O tempo passou e ainda continuo aprimorando o gosto pelo trabalho dando continuidade à cultura daqueles que aqui chegaram, lá de Açores. E na confecção com o barro, exercito minha memória com personagens chamados formas. Segundo a velha tradição, surgiu a bernunça que lembra o bicho-papão, a dona Maricota mulher comprida e desengonçada, um pé de valsa, o urubu do Boi-de-mamão... Entre outras formas que foram surgindo ao longo da história.

Ficar sem moldar o barro é o mesmo que ficar sem comer. Meu corpo padece por sua falta. Fico inquieta porque meu corpo reclama pelo alimento e eu não posso ficar sem comer. Que a Mãe Terra perdoe tamanha fraqueza, mas já não consigo mais ficar sem o barro que concretiza meu imaginário. Ontem eu era só uma menina que brincava com o barro vermelho feito lama da chuva, moldando meu imaginário que secava ao sol, rachando todinho. Diferente de ontem, hoje aprendi as técnicas de secagem até a queima do barro no forno à lenha e elétrico. Eu que diferente de todos da minha família, fui aluna de oleiro e tomei gosto pelo trabalho, agora mais aperfeiçoado. Por isso, quero continuar te moldando Mãe Terra!
Hoje sou casada, mãe de um casal de filhos já adultos. Tenho minha oficina com um forno elétrico. O que mais uma mulher oleira necessita para exteriorizar e retratar seu imaginário?

Só não aprendi a trabalhar na roda, onde as peças utilitárias são feitas como num passo de mágica. Mas faço minhas peças utilitárias, panelas, canecas, pratos e fruteiras, com a técnica indígena dos rolinhos, chamados rodelados.

Sabe-se que na atualidade, muitos oleiros não conseguem tirar do ofício o sustento diário. Certos de que nas épocas festivas, conseguem vender suas peças em maior quantidade, os oleiros produzem peças em série, durante o ano. Fora disso, resta aos artesãos do barro, expor suas criações em museus, eventos comemorativos, feiras culturais e artísticas.

Querida Mãe Terra, só nos resta confiar na Tua bondade. Continue nos dando o barro nosso de cada dia, que só tu és capaz de produzir. Perdoe o nosso jeito de ser e ter, e que Deus continue te mantendo bem juntinha de nós!